Para mim,
essa é uma história em que toda a
tragédia acontece porque os pais da princesinha teimavam em acreditar que
deveriam afastar todo o mal para longe da menina. Mais ainda: estavam
convencidos de ter poderes para isso. O pior é que eles viviam repetindo a
mesma bobagem, como se fossem capazes de aprender com a própria experiência.
Pois veja:
para o batizado da menina, deixaram de convidar a velha bruxa, porque ela era
feia e malvada, e eles achavam que a feiúra e a maldade não podiam fazer parte
da festa. Mas, como esses atributos fazem parte da vida, a bruxa invadiu o
palácio mesmo sem convite. E, para vingar a afronta recebida, lançou uma
maldição sobre a criança.
Não seria
melhor ter convidado logo a malvada e dado a ela uma porção de coisas boas de
comer e beber, para aplacar seu mau gênio? Não seria mil vezes preferível tê-la
como hóspede do que como inimiga?
Mas a bem
intencionada bobeira dos pais foi ainda mais longe. Ao ouvir da bruxa que a
princesinha, aos 15 anos, iria ferir-se gravemente com uma roca de fiar, o que
fez o pai? Mandou banir do reino inteiro todas as rocas de fiar. Como se algum
pai, por mais poderoso que fosse, tivesse o poder de afastar dos filhos todos
os objetos (e sujeitos...) capazes de feri-los, de lhe fazer mal. Ainda mais
aos 15 anos.
O que
aconteceu, então? Tinha sobrado uma roca com seu fuso, no alto de uma antiga
torre onde vivia uma fiandeira, solitária e isolada. A princesa chegou
casualmente à torre e, ao deparar pela primeira vez com aquele estranho objeto,
ficou curiosa, pegou nele de mau jeito e furou o dedo.
Conforme,
aliás, todo mundo já sabia, há muito tempo, que iria acontecer.
Não teria
sido mais sábio o rei se tivesse alertado a menina para o perigo que aqueles
objetos representavam para ela e ensinado sua filha a se defender, em vez de
tentar negar a existência de rocas e fusos? Talvez, se pudesse saber do risco
que corria, a princesa fosse mais cuidadosa e até evitasse o acidente.
Então, eu
acho que muitos pais e mães de hoje continuam a se comportar do mesmo jeito que
os pais da Bela Adormecida, como se não tivessem entendido a história.
(Ligia Fagundes Telles)